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A pele tem olhos

História Natural dos Sentidos

O tato é o sentido mais antigo e o mais urgente. Se um tigre está apoiando suas patas sobre os nossos ombros, necessitamos sabê-lo imediatamente. Qualquer contato ou mudança num contato, por exemplo: um aumento de pressão, ativa no cérebro uma série de atividades. Quando tocamos algo deliberadamente (nosso namorado, o pára-choque de um carro novo, a língua de um animal), colocamos em movimento nossa completa rede de receptores táteis, acendendo-os por exposições de uma sensação e logo por uma outra.

O cérebro lê os acesos e os apagados como num código Morse e registra suave, áspero, frio.

Os receptores táteis podem ficar em branco simplesmente pelo tédio.

Quando colocamos uma suéter pesada somos agudamente sensíveis à sua textura, peso e sensação contra a pele, mas em pouco tempo já a ignoramos completamente. Uma pressão constante se registra no início e ativa os receptores táteis e depois os receptores param de funcionar. Por isso usar lã, ou um relógio de pulso, ou um colar, não nos incomoda demasiado, a não ser que a temperatura aumente ou o colar arrebente. Quando acontece qualquer mudança, os receptores lançam um sinal e subitamente nós tomamos consciência. As pesquisas sugerem que, mesmo havendo quatro tipos principais de receptores, há muitos outros dentro de um amplo espectro de respostas. Além do mais, nossa pauta de sensações através do tato é mais completa que um mero frio, calor, dor e pressão.

Muitos receptores táteis se combinam para produzir o que chamamos “uma pontada”. Pensemos em todas as variedades de dor, irritação; todas as texturas da carícia; todas as cosquinhas, golpes, beliscões, arranhões, palmadas, beijos, etc. Um arrepio numa piscina gelada num dia de verão, quando a temperatura do ar e do corpo são iguais. A sensação de uma abelha pousada na perna. Buscar com os olhos vendados um pote de geléia como parte de uma brincadeira num clube infantil. Tirar o pé da lama. A sensação da areia molhada entre os dedos. Uma mordidela num creme de uma torta. O prazer quase orgástico, mescla de estremecimento, dor e alívio que significa coçar as costas.

Algumas formas de tato nos irritam e deleitam simultaneamente. A umidade pode ser uma mescla de temperatura e ansiedade, por exemplo. Mas quando perdemos contato (o dentista nos anestesia; ou um braço fica dormente por falta de irrigação sanguínea), nos sentimos estranhos e alheios.

Como o tem demonstrado aquelas pessoas que são surdas e cegas, é quase possível arranjarem-se só com o tato, mas sem o tato o mundo se desfoca irremediavelmente, e pode-se perder uma perna sem sabê-lo, queimar a mão sem sentir ou perder a consciência de onde se termina o corpo e começa o mundo.

O tato nos “preenche a memória como uma chave detalhada de nossa própria forma”.

Um espelho não significaria nada sem o tato. Sempre estamos tomando-nos as medidas de modo inconsciente: passamos uma mão pelo antebraço, vendo se o aro que forma o polegar e o indicador pode circundar o pulso, ou se podemos tocar a ponta do nariz com a língua, ou ainda, apalpando a longitude da perna quando nos alisamos do tornozelo à coxa ao colocarmos uma meia de náilon, ou retorcendo nervosamente uma mecha de cabelo. Mas, sobretudo, o tato nos ensina que a vida tem profundidade e contorno: torna tridimensional nosso sentido do mundo e de nós mesmos.

Sem esse intrincado sentimento da vida, não haveria artistas, cuja habilidade está em fazer mapas sensoriais e emocionais, nem cirurgiões, que introduzem os seus dedos dentro do corpo.

MÃOS: MENSAGEIRAS DA EMOÇÃO

Ao longo da história, os adivinhos escolheram a palma das mãos como ponto de enlace simbólico entre a psique e alma, como a balsa que os transportava pelo tempo. Além do mais, a mão é ação, traça caminhos e constrói cidades, joga lanças e lava um bebê. Mesmo seus pequenos gestos (marcar um número de telefone, apertar um botão) podem mudar o curso da história ou fazer cair bombas atômicas sobre a gente. Quando estamos preocupados, desejamos que nossas mãos se consolem entre si retorcendo-se, acariciando-se, palmeando-se, como se fossem duas pessoas distintas. No início de um romance, o primeiro contato de um casal costuma ser pelas mãos, assim como os casais já estabelecidos, ao avançar juntos por suas jornadas, utilizam as mãos para criar uma ponte de ternura. Pegar as mãos de alguém enfermo ou muito velho é sedativo, e estabelece um elo emocional.

Há experiências que mostram que o simples fato de tocar a mão ou o braço de uma pessoa faz baixar a pressão. Em muitas culturas, as pessoas brincam obsessivamente com contas, pedras polidas ou outros objetos, e a onda cerebral que produz este passatempo é de uma alente acalmada por uma repetida estimulação tátil.

A mão se move com uma complexa precisão, sente com uma delicada intuição, indefinível, como o estão descobrindo os desenhistas de mãos robóticas.

Pensemos em todos os modos como nos tocamos a nós mesmos (e não me refiro à masturbação, “deflorar com a mão”), como tomamos os ombros com as mãos e nos acalentamos igual a uma mãe quando tranqüiliza seu filho; como escondemos o rosto nas palmas das mãos para ficar sós e rezar ou chorar; como levamos a palma à cabeça quando algo nos surpreende. O tato é tão importante em situações emocionais, que tocamos freqüentemente como gostaríamos que nos tocassem outra pessoa para nos tranqüilizar. As mãos são mensageiras da emoção. E poucos compreenderam seu intricado dever tão bem como Rodin. Eis aqui como descreveu Rilke a arte de Rodin na matéria:

Rodin fez mãos, pequenas mãos soltas que, sem formar parte do corpo, estão vivas de todo modo. Mãos que se elevam furiosas, mãos cujos cinco dedos crispados parecem ladrar como as cinco gargantas de Cérbero. Mãos em movimento, mãos cansadas que perderam todo o desejo e jazem como uma besta cansada em algum canto, sabendo que ninguém poderá ajudá-las. Mas as mãos são um organismo complicado, um delta do qual flui muita vida de fontes distantes. As mãos têm uma história própria, uma beleza especial; lhes concedemos o direito de ter seu próprio desenvolvimento, seus próprios desejos, sentimentos, humores e ocupações favoritas.

O TATO CURATIVO

O tato é um curador tão poderoso, que acudimos a quem o exerce profissionalmente (médicos, massagistas, cabeleleiros, professores de dança, pedicures, manicures e prostitutas) e freqüentamos empórios do tato (discotecas, gafieiras, etc).

Um médico não pode ajudar muito quando se tem uma alergia, um resfriado, ou algum mal menor, mas de todo modo vamos vê-lo para que nos toque, ausculte, acaricie, inspecione, manipule.

O mais óbvio dos usos profissionais do tato é a massagem, destinada a estimular a circulação, dilatar os vasos sanguíneos, relaxar os músculos tensos e limpar de toxinas o corpo mediante o fluxo da linfa.

A popular massagem “sueca” propõe toques amplos e em arco, sempre na direção do coração. O shiatsu japonês é uma espécie de acupuntura sem agulhas, usando o dedo (shi) para causar pressão (atsu). O corpo é dividido de acordo com meridianos, segundo os fluxos de energia ou força vital, e a massagem libera as passagens.

Na massagem “neo-reichiana”, que às vezes se usa em conjunção com a psicoterapia, os toques se fazem do coração para fora, com a finalidade de expandir a energia nervosa. A “reflexologia” se concentra nos pés, mas, como o shiatsu, também utiliza a pressão de pontos na pele, que aqui representam distintos órgãos. Supõe-se que ao massagear estes pontos ajudamos a funcionar melhor os órgãos correspondentes. No “rolfing” a massagem se transforma em uma manipulação violenta, às vezes dolorosa. Ainda que haja muitas técnicas diferentes de massagem, algumas escolas formais e muita teorização sobre o tema, os estudos têm mostrado que o mero contato carinhoso, independente de estilo, pode melhorar a saúde.

Na universidade de Ohio, um investigador realizou um experimento em que alimentou carneiros com dietas altas em colesterol, e acariciou metodicamente um grupo especial deles; os carneiros mimados tinham um índice cinqüenta por cento menor de arterioesclerose que os demais, não acariciados.

Um experimento na Filadélfia estudou as chances de sobrevivência de pacientes que haviam tido ataques cardíacos. Examinando um amplo espectro de variáveis e seus efeitos na sobrevivência, descobriu-se que o efeito mais forte era possuir animais de estimação. Não havia diferença se a pessoa era casada ou solteira: os donos de mascotes eram os que sobreviviam mais tempo. As carícias aos nossos animaizinhos – carícias que são tão calmantes e que podem ser feitas quase que inconscientemente enquanto fazemos outra coisa ou conversamos com alguém que tem um efeito curativo. Como disse um dos experimentadores: criamos nossos filhos numa sociedade \\\\\\\’não tátil\\\\\\\’ e temos que compensar com criaturas não humanas. Primeiro com bichos de pelúcia e mantas, depois com mascotes. Quando não há tato, começa o verdadeiro isolamento. Tocar é tão terapêutico como ser tocado; o curador, o doador de tato é curado ao mesmo tempo.

Na biblioteca da Universidade Purdue, uma bibliotecária realiza sua tarefa: entregar e receber livros. É parte de um experimento de tato subliminar, e sabe que a metade do tempo não deve fazer nada especial, e a outra metade tem que tocar a outra pessoa da maneira mais imperceptível possível. Roça apenas a mão de um estudante ao devolver sua ficha de leitor. Ao sair do edifício, o estudante deve preencher um questionário sobre a biblioteca. Dentre outras questões é perguntado se a bibliotecária lhe sorriu, e se o tocou. Na realidade, a bibliotecária não lhe sorriu, mas o estudante responde que sim, ainda que responda que não lhe tocou. O experimento continua durante todo o dia e os resultados são claros: os estudantes que receberam um contato que não notaram mostram mais satisfação com a biblioteca e com a vida em geral.

Pesemos o fato que somos criaturas territoriais que nos movemos pelo mundo como dentro de principados soberanos, o contato acalenta nossa alma, ainda que não o notemos. Provavelmente nos lembra a época, muito anterior à compromissos e trâmites bancários, em que nossa mãe nos acalentava e nos sentíamos seguros e amados. Nem sequer um contato que não notamos passa inadvertido para a mente subterrânea.