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A evolução das terapias

José Claudio Belfort

Paralelamente ao novo campo da medicina holística, surgida na década passada, houve uma mudança correspondente na psicoterapia. O conhecimento crescente da relação intrínseca entre o psicológico e o físico estimulou as pesquisas na área da psicofisiologia. Surgiram novas abordagens terapêuticas que combinam o uso de ferramentas psicológicas e fisiológicas não apenas para curar doenças. mas também para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Em resumo, a psicoterapia moderna está se tornando mais voltada para o corpo.

Desde o revolucionário método de psicoterapia usado por Wilhelm Reich. tem havido progresso ininterrupto no sentido da integração do corpo na psicoterapia. Seus conceitos perspicazes sobre a análise do caráter, vegetoterapia e a teoria do orgônio revelaram como o trauma psicológico se aloja no corpo físico formando as couraças musculares (Reich, 1973; 1949). A contribuição de Reich estabeleceu as bases para o desenvolvimento de três novas abordagens psicoterapêuticas. Análise Bioenergética, Terapia Primal e Terapia Gestalt.

A Análise Bioenergética. desenvolvida por John Pierrakos e Alexander Lowen. ambos alunos de Reich. é uma extensão do trabalho do mestre: ela trabalha corpo e mente numa forma elaborada de integração. Esta integração tem efeitos positivos nos problemas emocionais, físicos e psicológicos (Lowen, 1981 ; 1979; 1978). A Terapia Primal, desenvolvida por Arthur Janov. também foi influenciada pelas observações de Reich de que a inibição da respiração estava associada à tensão crônica da musculatura respiratória e à inibição dos sentimentos (Reich. 1942). Assim, a Terapia Primal evoluiu com base na compreensão da importância da respiração para a liberação da tensão e do conflito emocional (Janov, 1970). A Terapia Gestalt desenvolvida por Fritz Perls, cujo analista foi Wilhem Reich. é uma decorrência da análise de personalidade concebida por Reich, e tem contribuído muito para a expansão dos métodos psicoterapêuticos em direção a uma abordagem mais global do ser humano como um todo. Encarando o indivíduo não como uma personalidade fragmentada, mas como alguém cujas partes do “quebra cabeça” estão dentro de si mesmo, necessitando apenas de orientação para que se organizem formando um quadro íntegro e perfeito (Perls, 1980).

Outras terapias que também estão voltadas para uma visão mais holística do ser humano, combinando os aspectos físicos e psicológicos, são: Psicoterapia Centrada no Corpo. Psicosíntese e Psicodrama.

A Terapia Centrada no Corpo é um método criado por Ron Kurtz, co-autor do livro The BodyReveals-An Illustrated Guide to the Psychology of the Body (Prestera e Kurtz, 1976). Kurtz também foi influenciado pelas teorias de Reich. Em seu trabalho, ele leva em consideração tanto a influência do corpo na estruturação psicológica quanto as influências psicológicas no funcionamento físico. No livro The Body Reveals, escrito junto com Hector Prestera. ele explora a natureza da linguagem corporal; a postura física revela os processos mentais, a história emocional e os sentimentos mais profundos de cada pessoa. Ele também explora a possibilidade de alterar antigos padrões físicos de condicionamento que ajudam a ativar continuamente processos psicológicos. Em seu método de Terapia Centrada no Corpo, que é uma tentativa de divulgar os fundamentos do seu trabalho desenvolvido até aquele momento e baseados no processo de atingir a totalidade, ele afirma:


“…caráter, personalidade é o sistema de crenças profundamente estabelecidas que fixa os padrões de comportamento, não é apenas o resultado da interação com outras pessoas significativas, mas da interação entre aspectos psicológicos e pré-disposições genéticas de temperamento, metabólicas e físicas que contribuem para a definição de características psicológicas. Corpo e mente interagem para moldar-se reciprocamente.” (Kurtz, 1981)

A Psicosíntese de Roberto Assagioli é um processo que tenta integrar a psicoterapia como um todo. O nome já revela claramente a proposta de Assagioli. Em seu método, o valor do indivíduo e seu potencial para o crescimento são enfatizados. Do ponto de vista de Assagioli, os princípios e métodos da psicosíntese transcendem o contexto terapêutico; eles vão mais longe e podem ser aplicados a outros campos como o da prevenção de doenças e educação para a saúde. ou o das relações interpessoais e grupais, que precisam ser ajustadas e harmonizadas (Assagioli, 1981).

O Psicodrama. desenvolvido por Jacob Moreno, é uma outra tentativa de usar o corpo como um instrumento psicoterapêutico. Neste processo, a dramatização de experiências passadas ajuda a pessoa a esclarecer questões que tenham sido reprimidas ou ignoradas, permitindo que o problema seja analisado (Moreno, 1953).

Já vimos anteriormente que o contato físico, seja ele o toque, o abraço ou a massagem, tem servido de instrumento na reabilitação de pacientes que sofrem de doenças mentais. Repassamos também a afirmação de Reich de que as experiências traumáticas são codificadas na memória celular, criando o que ele chamou de armaduras ou couraças musculares. Baseada nesta teoria, Ida Rolf, no seu trabalho sobre Integração Estrutural (1975), descobriu que enquanto recebiam tratamentos de deep tissue (massagem profunda), muitos de seus clientes tinham experiências emocionais e psicológicas de antigas recordações que não estavam mais presentes na mente consciente. Isto era decorrente de dissolução das couraças que haviam sido criadas no passado por traumas psicológicos e emocionais. A mesma inter-relação entre corpo e mente foi observada através de outras modalidades de trabalho corporal tais como: Técnica de Alexander, desenvolvida por F.M. Alexander (1918: 1980); Consciência pelo Movimento, de M. Feldenkrais (1981 ) e Terapia Centrada no Corpo, de Ron Kurtz (1976).

As novas terapias corporais sugerem que o processo de recuperação da saúde e do equilíbrio no organismo das pessoas não pode mais ser reduzido a um único método psicoterapêutico ou fisioterapêutico. O homem é um ser muito mais complexo, que afeta e é afetado por uma série de fatores, todos desempenhando um papel importante no estabelecimento da saúde ou da doença.

Os psicólogos humanistas também influenciaram nos rumos da psicoterapia. Citando Maslow:


“As psicologias humanistas, as novas psicologias transcendentes, a existencial, a Rogeriana, a experimental, a holística, as de valorização do ser, todas florescem e estão disponíveis, pelo menos nos Estados Unidos, embora, infelizmente, não estejam nos departamentos de psicologia” (Maslow. 1970).

O crescimento e o autoconhecimento se tornam o principal objetivo, e a terapia é vista como um instrumento útil que facilita o desabrochar e a integração do indivíduo. As psicologias humanistas reconhecem o corpo como uma parte integrante da saúde total, e enfatizam a importância da unidade, da plenitude. da autorealização, da totalidade e da individualidade.

Superar o conformismo e a representação de papéis necessários para que o indivíduo funcione em sociedade é uma importante parte do processo nas novas terapias. O cidadão bem condicionado, cujo comportamento e conduta se ajustam perfeitamente aos códigos morais da sociedade não é exatamente o modelo que o terapeuta está tentando atingir. Como disse Fritz Perls:


“Em terapia nós não temos apenas que acabar com o “role playing”. É preciso preencher as lacunas na personalidade para tornar a pessoa íntegra e completa novamente” (Perls, 1980).

A ênfase está em desenvolver a plenitude e a liberdade. Alguns dos mais recentes métodos e técnicas psicoterapêuticas usam recursos de expressão emocional com base na hipótese de que a sistemática repressão das emoções acaba por trazer problemas funcionais. Alguns processos, como a Análise Transacional e os Grupos de Encounter, realizam “Maratonas Emocionais” que oferecem a possibilidade de fazer aparecer a “criança livre”, permitindo assim, a análise do argumento vital (Gleitman, 1981 ). No Psicodrama, por exemplo, as emoções reprimidas são expressas no diálogo com o “Ego Auxiliar”. A dinâmica das emoções é rapidamente interpretada assim que elas aparecem em cena, para permitir ao participante entender e aprender a reagir melhor em situações futuras (Moreno 1953). Da mesma forma, exercícios de bioenergética ou de terapia de grupo incentivam a intensa manifestação de emoções do tipo raiva, frustração e fúria, através de surras dadas nos travesseiros, insultos aos membros do grupo ou destruição de objetos (Lowen, 1977; 1981).

A hipótese de que a expressão frequente das emoções seja terapêutica ainda é controversa. Segundo Charles Darwin:


“A livre expressão, através de manifestações externas, de uma emoção costuma intensificá-la … Quem se permitir gestos violentos apenas aumentará sua fúria: quem não controla os sinais de medo ficará profundamente assustado… (Darwin. 1872).

E aqui nós descobrimos que as leis do reforço no aprendizado se aplicam ao campo emocional. Uma pessoa que manifesta com frequência a sua raiva, sente um alívio temporário. mas pode ter cada vez mais raiva.

Estimular a produção de emoções em situações imaginárias pode resultar em ficção, uma ação teatral que se realiza no campo da fantasia. Este tipo de expressão emocional é puramente baseado num comportamento e não tem a vitalidade e a coerência das experiências integradas de vida em situações reais, indivíduo saudável expressa suas emoções na vida do dia-a-dia enquanto que o doente as reprime, dissimula ou esconde, isto quando não as descarrega sobre vítimas inocentes. Quando a pessoa tem a espontaneidade e a sinceridade para responder a uma situação real de maneira adequada, sabe-se que ela é saudável. Quando expressamos uma emoção nós não nos livramos dela; pelo contrário, a descarga emocional quando cultivada freqüentemente é reforçada. Da mesma forma que aprendemos a cultivar sentimentos de raiva, medo, tristeza, etc.. podemos despertar os sentimentos de afeição, confiança, força-fé, gratidão e amor. Assim, as emoções podem ser patologicamente reprimidas; teatralizados no campo de fantasia ou expressas de forma saudável onde o estímulo de situação vivida no nível psicológico integra a emoções, sensações físicas e suas expressões coerentemente.

Atualmente parece que as ciências humanas acabam de fechar um círculo completo na compreensão da relação entre os processos fisiológicos e psicológicos. Médicos e filósofos da antiguidade até a Era do Iluminismo reconheciam a unidade do ser físico, mental e espiritual. A partir daí, surgiu um modelo com a separação entre corpo e mente, que estamos novamente repensando, com a percepção e o reconhecimento de um “caminho de mão dupla entre o cérebro e o resto do corpo com suas infinitas possibilidades e formas de manifestações” (Timbergen, 1974). A visão da terapia precisa ser reavaliada como uma unidade de tratamento integrada.

Terapia de BioIntegração – José Claudio Belfort